Carolina Daemon Oliveira Pereira
A Bolívia está em vias da aprovar a primeira legislação mundial dando à natureza direitos iguais aos dos humanos. A Lei da Mãe Terra, que conta com apoio de políticos e grupos sociais, é uma enorme redefinição de direitos. Ela qualifica os ricos depósitos minerais do país como "bençãos", e se espera que promova uma mudança importante na conservação e em medidas sociais para a redução da poluição e controle da indústria, em um país que tem sido há anos destruído por conta de seus recursos.
A Lei da Mãe Terra vai estabelecer 11 direitos para a natureza, incluindo o direito à vida, o direito da continuação de ciclos e processos vitais livres de alteração humana, o direito a água e ar limpos, o direito ao equilíbrio, e o direito de não ter estruturas celulares modificadas ou alteradas geneticamente.
Ela também vai assegurar o direito de o país "não ser afetado por megaestruturas e projetos de desenvolvimento que afetem o equilíbrio de ecossistemas e as comunidades locais".
Esta mudança significa a ressurgência da visão de um mundo indígena, andino, que coloca a deusa da Terra e do ambiente, Pachamama, no centro de toda a vida. Esta visão considera iguais os direitos humanos
e de todas as outras entidades. A Bolívia sofre há tempos sérios problema ambientais com a mineração de alumínio, prata, ouro e outras matérias primas.
Em uma entrevista, o ministro das Relações Exteriores da Bolívia e especialista em cosmovisão andina, David Choquehuanca, explica os principais detalhes desta proposta que situa a vida e a natureza como eixos centrais.
"Queremos voltar a Viver Bem, o que significa que agora começamos a valorizar a nossa história, a nossa música, a nossa vestimenta, a nossa cultura, o nosso idioma, os nossos recursos naturais, e, depois de valorizar, decidimos recuperar tudo o que é nosso, voltar a ser o que éramos”.
O artigo 8 da CPE estabelece que: “O Estado assume e promove como princípios ético-morais da sociedade plural: ama qhilla, ama llulla, ama suwa (não sejas preguiçoso, não sejas mentiroso nem ladrão), suma qamaña (viver bem), ñandereko (vida harmoniosa), teko kavi (vida boa), ivi maraei (terra sem males) y qhapaj ñan (caminho ou vida nobre).
O Chanceler marcou distância com o socialismo e mais ainda com o capitalismo. O primeiro busca satisfazer as necessidades humanas e para o capitalismo o mais importante é o dinheiro e a mais-valia.
De acordo com David Choquehuanca, o Viver Bem é um processo que está apenas começando e que pouco a pouco irá se massificando.
“Para os que pertencem à cultura da vida, o mais importante não é o dinheiro nem o ouro, nem o ser humano, porque ele está em último lugar. O mais importante são os rios, o ar, as montanhas, as estrelas, as formigas, as borboletas (...) O ser humano está em último lugar, para nós o mais importante é a vida”.
Estas são as características que pouco a pouco serão implementadas no novo Estado Plurinacional da Bolívia:
Priorizar a vida
Viver Bem é buscar a vivência em comunidade, onde todos os integrantes se preocupam com todos.
O mais importante não é o ser humano (como afirma o socialismo) nem o dinheiro (como postula o capitalismo), mas a vida. Pretende-se buscar uma vida mais simples. Que seja o caminho da harmonia com a natureza e a vida, com o objetivo de salvar o planeta e dar a prioridade à humanidade.
Respeitar a mulher
Por estas razões, dentro das comunidades, a mulher é valorizada e está presente em todas as atividades orientadas à vida, à criação, à educação e à revitalização da cultura. Os moradores das comunidades indígenas valorizam a mulher como base da organização social, porque transmitem aos seus filhos os saberes de sua cultura.
Viver Bem e NÃO melhor
Viver Bem é diferente de viver melhor, o que se relaciona com o capitalismo.
Para a nova doutrina do Estado Plurinacional, viver melhor se traduz em egoísmo, desinteresse pelos outros, individualismo e pensar somente no lucro. Considera que a doutrina capitalista impulsiona a exploração das pessoas para a concentração de riquezas em poucas mãos, ao passo que o Viver Bem aponta para uma vida simples, que mantém uma produção equilibrada.
Não se postula a tolerância, mas o respeito, já que, mesmo que cada cultura ou região tenha uma forma diferente de pensar, para viver bem e em harmonia é necessário respeitar essas diferenças. Esta doutrina inclui todos os seres que habitam o planeta, como os animais e as plantas.
O Chanceler destaca que uma das principais fontes de aprendizagem são os anciãos das comunidades, que guardam histórias e costumes que com o passar dos anos vão se perdendo. “Nossos avós são bibliotecas ambulantes, assim que devemos aprender com eles”, menciona. Portanto, os anciãos são respeitados e consultados nas comunidades indígenas do país.
Nas comunidades, a criança se complementa com o avô, o homem com a mulher, etc. Um exemplo colocado pelo Chancelerespecifica que o homem não deve matar as plantas, porque elas complementam a sua existência e ajudam para que sobreviva.
Aproveitar a água
Viver Bem é distribuir racionalmente a água e aproveitá-la de maneira correta.
O Ministro das Relações Exteriores comenta que a água é o leite dos seres que habitam o planeta. “Temos muitas coisas, recursos
naturais, água e, por exemplo, a França não tem a quantidade de água nem a quantidade de terra que há em nosso país, mas vemos que não há nenhum Movimento Sem Terra, assim que devemos valorizar o que temos e preservá-lo o melhor possível, isso é Viver Bem”.
Assim como a democracia, a justiça também é considerada excludente, de acordo com o chanceler David Choquehuanca, porque só leva em conta as pessoas dentro de uma comunidade e não o que é mais importante: a vida e a harmonia do ser humano com a natureza. É por isso que Viver Bem aspira a ter uma sociedade com equidade e sem exclusão.
Quando o Governo fala de mudança climática, também se refere aos direitos cósmicos, garante o Ministro das Relações Exteriores. “Por isso, o Presidente (Evo Morales) diz que vai ser mais importante falar sobre os direitos da Mãe Terra do que falar sobre os direitos humanos”.
O ministro das Relações Exteriores, David Choquehuanca, explica que esta consigna deve se reger com base na prática dos ancestrais que se alimentam com um determinado produto durante toda a estação. Comenta que alimentar-se bem garante boa saúde.
Saber beber
Nas comunidades indígenas cada festa tem um significado e o álcool está presente na celebração, mas é consumido sem exageros ou ofender alguém. “Temos que saber beber; em nossas comunidades tínhamos verdadeiras festas que estavam relacionadas com as estações do ano. Não é ir a uma cantina e se envenenar com cerveja e matar os neurônios”.
A dança se relaciona com alguns fatos concretos, como a colheita ou o plantio. As comunidades continuam honrando com dança e música a Pachamama, principalmente em épocas agrícolas; entretanto, nas cidades as danças originárias são consideradas expressões folclóricas. Na nova doutrina se renovará o verdadeiro significado do dançar.
Viver Bem é considerar o trabalho como festa.
“O trabalho para nós é felicidade”, disse o chanceler David Choquehuanca, que recalca que ao contrário do capitalismo onde se paga para trabalhar, no novo modelo do Estado Plurinacional, se retoma o pensamento ancestral de considerar o trabalho como festa. É uma arma de crescimento, é por isso que nas culturas indígenas se trabalha desde pequeno.
Retomar o Abya Yala
Viver bem é promover a união de todos os povos em uma grande família.
Para o Chanceler, isto implica em que todas as regiões do país se reconstituam no que ancestralmente se considerou como uma grande comunidade. “Isto tem que se estender a todos os países. É por isso que vemos bons sinais de presidentes que estão na tarefa de unir todos os povos e voltar a ser o Abya Yala que fomos”.
Reincorporar a agricultura
Viver Bem é reincorporar a agricultura às comunidades.
Parte desta doutrina do novo Estado Plurinacional é recuperar as formas de vivência em comunidade, como o trabalho na terra, cultivando produtos para cobrir as necessidades básicas para a subsistência. Neste ponto se fará a devolução de terras às comunidades, de maneira que se produzam as economias locais.
Saber se comunicar
Viver Bem é saber se comunicar.
No novo Estado Pluninacional se pretende retomar a comunicação que existia nas comunidades ancestrais.
O diálogo é o resultado desta boa comunicação mencionada pelo Chanceler. “Temos que nos comunicar como antes os nossos pais o faziam, e resolviam os problemas sem que se apresentassem conflitos, não temos que perder isso”.
O Viver Bem não é “viver melhor”, como propõe o capitalismo
Entre os preceitos estabelecidos pelo novo modelo do Estado Plurinacional, figuram o controle social, a reciprocidade e o respeito à mulher e ao idoso.
Controle social
Viver Bem é realizar um controle obrigatório entre os habitantes de uma comunidade.
“Este controle é diferente do proposto pela Participação Popular, que foi rechaçado (por algumas comunidades) porque reduz a verdadeira participação das pessoas”, disse o chanceler Choquehuanca. Nos tempos ancestrais, “todos se encarregavam de controlar as funções que suas principais autoridades realizavam”.
Trabalhar em reciprocidade
Viver Bem é retomar a reciprocidade do trabalho nas comunidades.
Nos povos indígenas esta prática se denomina ayni, que não é mais do que devolver em trabalho a ajuda prestada por uma família em uma atividade agrícola, como o plantio ou a colheita. “É mais um dos princípios ou códigos que garantirão o equilíbrio nas grandes secas”, explica o Ministro das Relações Exteriores.
Não roubar e não mentir
Viver Bem é basear-se no ama suwa e ama qhilla (não roubar e não mentir, em quéchua).
É um dos preceitos que também estão incluídos na nova Constituição Política do Estado e que o Presidente prometeu respeitar. Do mesmo modo, para o Chanceler é fundamental que dentro das comunidades se respeitem estes princípios para conseguir o bem-estar e confiança em seus habitantes. “Todos são códigos que devem ser seguidos para que consigamos viver bem no futuro”.
Proteger as sementes
Viver Bem é proteger e guardar as sementes para que no futuro se evite o uso de produtos transgênicos.
O livro Viver Bem, como resposta à crise global, da Chancelaria da Bolívia, especifica que uma das características deste novo modelo é preservar a riqueza agrícola ancestral com a criação de bancos de sementes que evitem a utilização de transgênicos para incrementar a produtividade, porque se diz que esta mistura com químicos prejudica e acaba com as sementes milenares.
Recuperar recursos
Viver Bem é recuperar a riqueza natural do país e permitir que todos se beneficiem desta de maneira equilibrada e equitativa.
A finalidade da doutrina do Viver Bem também é a de nacionalizar e recuperar as empresas estratégicas do país no marco do equilíbrio e da convivência entre o ser humano e a natureza em contraposição à exploração irracional dos recursos naturais. “Deve-se, sobretudo, priorizar a natureza”, acrescentou o Chanceler.
Exercer a soberania
Viver Bem é construir, a partir das comunidades, o exercício da soberania no país.
Isto significa, segundo o livro Viver Bem, como resposta à crise global, que se chegará a uma soberania por meio do consenso comunal que defina e construa a unidade e a responsabilidade a favor do bem comum, sem que nada falte. Nesse marco, se reconstruirão as comunidades e nações para construir uma sociedade soberana que será administrada em harmonia com o indivíduo, a natureza e o cosmos.
As imagens são algumas das muitas versões da Pachamana encontradas pela internet.
Fonte: Blog de Carolina Daemon Oliveira Pereira
http:// caroldaemon.blogspot.com/2011/07/lei-favor-da-mae-terra-bolivia-mais-uma.html
6 comentários:
Olá, que simpático. Tomara que nossas replicações gerem sementes e estas, muitos frutos.
Abs
Agradeço q referência, mas faço uma observação: o texto não é de minha autoria. Fiz uma busca na internet e não encontrei o mesmo, apenas trechos espalhados. Abs
Olá Carolina, agradeçemos pela sua atenção e nos colocamos às também as suas ordens. Precisamos resistir sempre em prol de um futuro melhor para todos. Um grande abraço
ISANOP - Cassio e Rejane
olá, os bolivianos marcaram mais um gol: http://organicosdobrasil.blogspot.com/2011/07/evo-morales-sanciona-lei-agricola-que.html
q maravilha!
Que lindo.. era exatamente o que estava procurando para embasar meus argumentos contra Belo Monte...
Pessoal, escrevi hoje sobre Belo Monte no Facebook e compartilho pq acho que a coisa está perdendo o foco:
Sobre Belo Monte: eu tenho silenciado e deixado os links, mas interrompo o jejum para deixar minha opinião sobre essa discussão ridícula promovida por universitários e amplamente divulgada pela Revista (in)VEJA.
Não existe hidrelétrica de grande porte "verde". Não importa se um grupo argumenta que a Floresta vai ser alagada ou se a área é apenas uma pastagem degradada e improdutiva. Não importa ta...mpouco se existem acadêmicos que não acreditam que a população terá que ser deslocada (o que tb é gravíssimo). O absurdo da hidrelétrica de grande porte consiste na covardia de alagar uma área nativa na maioria das vezes, cuja fauna e flora foram sequer catalogados pela ciência. Pior, sendo uma floresta, estamos afogando os captores do CO2 que emitimos e aquece o planeta, as árvores. Sendo uma pastagem degradada, estamos alagando uma área que destruímos (?) e deveríamos estar recuperando com a vegetação nativa ou pelo menos aproveitando para produzir alimentos em sistema agroflorestal inteligente.
Quando o homem acredita que tem o direito de alagar áreas, seja por hidrelétricas, seja por represas, está sendo antropocêntrico por acreditar que sua presença nessa caminhada pelo planeta é mais importante do que a das outras espécies. Nós não somos o topo da pirâmide, aliás não existe pirâmide alguma, o que existe é uma cadeia e nós somos apenas mais um dos elos.
Vou ainda mais longe, a hidrelétrica de grande porte torna a população "freguês" de uma energia vendida, quando o grande potencial desse país é solar e uma placa de energia solar com 0% de impacto custa R$35,00 e 1 única tarde de trabalho braçal. A população, ao invés de deslocada, subempregada e mal alimentada, teria áreas nativas preservadas e autonomia o bastante para produzir a energia que consome, sem pagar nada por isso.
Pela milésima vez: não existe sustentabilidade sem autogestão, a sustentabilidade de verdade é subversiva porque não dá lucro à ninguem. Nem ao consórcio das construtoras, nem a um governo que não me representa e tampouco revistas sensacionalistas.
Postar um comentário